A INTENÇÃO DE RECURSO EM LICITAÇÕES: MOTIVAÇÃO, PRAZO E ASPECTOS LEGAIS
1. Introdução
A licitação é um procedimento administrativo que visa garantir a isonomia entre os participantes, selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração Pública e assegurar o cumprimento dos princípios da legalidade, impessoalidade e eficiência. Durante esse processo, é comum que licitantes discordem de decisões tomadas pela comissão de licitação ou pela autoridade competente. Nesses casos, a legislação prevê a possibilidade de interposição de recurso administrativo, sendo a intenção de recurso uma etapa preliminar essencial para sua admissibilidade.
2. Conceito de Intenção de Recurso
A intenção de recurso consiste na manifestação formal do licitante interessado em impugnar uma decisão proferida durante o certame. Trata-se de um pré-requisito indispensável para a admissibilidade do recurso administrativo nas modalidades de licitação regidas pela Lei nº 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações). Sua função é registrar, de forma imediata, o inconformismo do participante, possibilitando o exercício do contraditório e da ampla defesa.
3. Fundamentação Legal
A Lei nº 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações) dispõe:
Art. 165, §1º: “O interessado deverá manifestar imediatamente a intenção de recorrer, com registro em ata, sob pena de preclusão, devendo apresentar as razões do recurso no prazo de 3 dias úteis.”
Esse dispositivo reforça a exigência de tempestividade na manifestação da intenção de recurso, prevendo também prazo específico para apresentação das razões recursais.
4. A Intenção de Recurso nas Licitações: Entre a Exigência Legal e a Prática nas Plataformas Eletrônicas
Tradicionalmente, exigia-se que a manifestação de intenção fosse minimamente motivada, ainda que de forma sucinta. Isso permitia à Administração avaliar o cabimento da irresignação. No entanto, com a consolidação das plataformas eletrônicas nos processos licitatórios — como Compras.gov.br, Licitanet, entre outras — essa prática vem sendo flexibilizada.
5. Mudança na Prática: Apenas a Manifestação
Na atual prática administrativa, especialmente em pregões eletrônicos, observa-se que:
- O sistema eletrônico disponibiliza um botão ou campo para “manifestar intenção de recurso”;
- Não se exige, de forma obrigatória, a apresentação de justificativa ou motivação nesse momento;
- As razões recursais devem ser apresentadas posteriormente, dentro do prazo legal, geralmente por meio de upload de documento ou preenchimento de campo específico.
Essa simplificação busca evitar decisões impulsivas durante a sessão pública, especialmente em contextos de alta competitividade, como os pregões eletrônicos, nos quais os lances e julgamentos ocorrem de forma quase instantânea.
A interpretação predominante atualmente é a de que a motivação pormenorizada do recurso deve ser apresentada apenas nas razões recursais, e não no ato da manifestação de intenção. Órgãos de controle e tribunais têm reconhecido essa interpretação, desde que a manifestação tenha sido tempestiva e o sistema efetivamente a registre, ainda que sem fundamentação. Ressalta-se, no entanto, que essa flexibilização não autoriza o descumprimento de exigências expressas no edital.
6. Implicações Práticas Positivas
Essa mudança operacional traz reflexos diretos para os licitantes e para a condução das sessões públicas, com três principais implicações:
- Facilidade para os licitantes, que ganham tempo para estruturar adequadamente suas razões recursais;
- Maior celeridade e fluidez nas sessões públicas, evitando discussões prematuras;
- Segurança jurídica, desde que a plataforma registre inequivocamente a manifestação de intenção.
Entretanto, é fundamental que o licitante leia com atenção o edital, pois, caso este exija expressamente a apresentação da motivação na manifestação de intenção, o não cumprimento poderá acarretar a preclusão do direito ao recurso.
7. Prazos Exíguos e a Garantia do Contraditório na Nova Lei de Licitações
A nova legislação tem suscitado debates quanto à razoabilidade dos prazos recursais. Em diversas situações, os prazos previstos são considerados excessivamente curtos, gerando questionamentos sobre a efetividade do contraditório e da ampla defesa — princípios constitucionais consagrados no art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal.
Em alguns casos, como em pregões eletrônicos, o prazo para manifestar a intenção de recorrer é de apenas 10 minutos — um tempo que, muitas vezes, não permite uma análise adequada da documentação ou da decisão questionada. Isso pode comprometer o direito à impugnação fundamentada e tempestiva, gerando insegurança jurídica e afrontando os princípios da legalidade, isonomia e segurança jurídica previstos no art. 37 da Constituição Federal.
A ausência de critérios mais razoáveis nesse ponto configura uma lacuna legislativa, que merece reflexão por parte do legislador e atenção dos intérpretes e aplicadores da norma.
Conclusão
A exigência de motivação na manifestação de intenção de recurso vem sendo flexibilizada, especialmente no contexto das licitações eletrônicas. Atualmente, muitas plataformas exigem apenas a sinalização do desejo de recorrer, deixando a exposição dos fundamentos para o momento oportuno das razões recursais.
Apesar disso, é indispensável que os licitantes estejam atentos às regras específicas de cada edital e ao funcionamento da plataforma utilizada, garantindo o exercício pleno de seu direito ao recurso e evitando preclusões processuais. Adicionalmente, é necessário que se promova uma reflexão legislativa sobre os prazos recursais exíguos, a fim de compatibilizá-los com os princípios constitucionais que regem o processo licitatório e a atuação da Administração Pública.