MEP Licitações

Exclusividade Regional em Licitações: Entenda por que essa prática pode ser inconstitucional

Sumário

EXCLUSIVIDADE LOCAL/REGIONAL EM LICITAÇÕES: BENEFÍCIO LEGAL OU INCONSTITUCIONALIDADE DISFARÇADA?

Em todo o Brasil, observa-se o crescimento silencioso e preocupante, de uma prática que merece ser colocada sob os holofotes: a exclusividade local/regional em licitações públicas.

Tal artifício, intensificado com a entrada em vigor da Lei n. º 14.133/2021, leva a crer que tenha sido impulsionado pela migração em massa dos Entes públicos para o Pregão Eletrônico, que agora virou regra, devendo as licitações presenciais serem realizadas apenas em casos específicos, com a devida motivação e justificativas pertinentes.

Em tese, este marco deveria representar uma modernização nas contratações públicas, porém, lamentavelmente, tem sido utilizado para legitimar benefícios ilegais e desprovidos de respaldo jurídico.

Isto porque, inúmeros Entes da Administração Pública, tem realizado licitações exclusivas para microempresas e empresas de pequeno porte (ME/EPP) localizadas no âmbito local ou regional, restringindo a participação de outros licitantes que estejam fora desse contexto, sob o argumento de concessão de tratamento simplificado, favorecido e diferenciado previsto na Lei Complementar 123/2006, e uma única justificativa: FOMENTAR OS COMÉRCIOS LOCAIS.

De onde surgiu a ideia de exclusividade para empresas locais?

Mas de onde, afinal, surgiu esse entendimento de que licitações podem ser “EXCLUSIVAS” para apenas as empresas (ME/EPP) sediadas no âmbito local/regional?

O tratamento diferenciado para as ME/EPP, foi introduzido pela Emenda Constitucional n. º 6, de 15 de agosto de 1995, através do art. 170, inciso IX, da Constituição Federal, estabelecendo como princípio da ordem econômica a necessidade de concessão de benefícios para esse segmento empresarial, visando incentivá-lo como forma de promoção do desenvolvimento nacional.

No contexto de licitações públicas, a própria Carta Magna determina que é de competência privativa da união legislar sobre normas gerais de licitação, devendo ainda ser observado o dispositivo previsto no art. 37, XII. Senão vejamos:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
XXVII - normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III;

[...]

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

Origem na Lei Complementar 123/2006

A ideia de “exclusividade” em licitações, tem origem na Lei Federal Complementar n. º 123/2006, a qual regulamentou o tratamento favorecido às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, que prevê:

Lei Complementar 123/2006

Art. 47. Nas contratações públicas da administração direta e indireta, autárquica e fundacional, federal, estadual e municipal, deverá ser concedido tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte objetivando a promoção do desenvolvimento econômico e social no âmbito municipal e regional, a ampliação da eficiência das políticas públicas e o incentivo à inovação tecnológica.

Art. 48. Para o cumprimento do disposto no art. 47 desta Lei Complementar, a administração pública:
I - deverá realizar processo licitatório destinado exclusivamente à participação de microempresas e empresas de pequeno porte nos itens de contratação cujo valor seja de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais);

O equívoco na interpretação da legislação

Ocorre que, diversos entes da Administração Pública vêm interpretando de forma equivocada a legislação, criando um suposto benefício de exclusividade regional/local.

Tal prática, entretanto, não encontra respaldo na Constituição Federal, tampouco na Lei n. º 123/2006, visto que, a Lei Complementar jamais autoriza a restrição de participação em licitações com base em critérios territoriais, mas apenas confere benefícios às microempresas e empresas de pequeno porte (ME/EPP), estando estes devidamente elencados entre os artigos 42 e 48.

Dentre eles, destacam-se:

  • O prazo para regularização fiscal tardia
  • O empate ficto
  • A reserva de cota de 25% para bens de natureza divisível
  • Participação exclusiva de ME/EPP em objetos de até R$ 80.000,00

Contudo, a própria Lei Complementar é clara ao condicionar a aplicação dos arts. 47 e 48 à existência de, no mínimo, três fornecedores locais ou regionais competitivos e aptos a cumprir as exigências do Edital, tratando-se de um critério excepcional, que não se confunde com a criação de licitações exclusivas para empresas regionais, ou melhor, exclusão de demais licitantes.

O parágrafo único do art. 47

Logo, acredita-se que a controvérsia atual sobre exclusividade local/regional em licitações, parece decorrer de uma interpretação equivocada do parágrafo único do art. 47 da LC 123/2006, que dispõe:

Art. 47. (...)

Parágrafo único. No que diz respeito às compras públicas, enquanto não sobrevier legislação estadual, municipal ou regulamento específico de cada órgão mais favorável à microempresa e empresa de pequeno porte, aplica-se a legislação federal.

A interpretação equivocada desse dispositivo, tem dado margem à edição de Leis Estaduais, Municipais e regulamentos específicos que extrapolam o texto da Lei Complementar n. º 123/2006, inovando indevidamente ao instituírem um benefício não previsto na legislação federal (exclusividade regional/local).

Tal dispositivo, não autoriza os entes federados a criarem benefícios inéditos, apenas permite regulamentações locais que ampliem a efetividade dos benefícios já previstos em Lei Federal, desde que respeitados os limites constitucionais e os princípios basilares das contratações públicas.

Conclusão: ilegalidade e necessidade de fiscalização

Os benefícios destinados às microempresas e empresas de pequeno porte foram cuidadosamente delimitados pela legislação federal (LC 123/2006), não havendo qualquer dispositivo que autorize a exclusão de participantes com base em critérios territoriais. Esse entendimento distorcido, compromete gravemente princípios basilares das licitações públicas previstos na Lei de Licitações n. º 14.133/2021, tais como a competitividade, economicidade, seleção da proposta mais vantajosa, interesse público, legalidade e segurança jurídica.

A criação de novos benefícios, além de manifestamente ilegal, é inconstitucional, uma vez que a competência para legislar sobre normas gerais de licitação é privativa da União (art. 22, inciso XXVII, da Constituição Federal), portanto, pode-se afirmar que prática de licitações com exclusividade regional é um ato desprovido de respaldo legal, configurando uma verdadeira afronta à ordem jurídica vigente.

Posto isso, é imperativo que tal prática seja denunciada aos Órgãos de controle e fiscalização competentes, como os Tribunais de Contas e Ministério Público, a fim de que essa prática inconstitucional seja definitivamente extirpada do ordenamento jurídico, preservando a legalidade e segurança jurídica no cenário das licitações públicas.

Abertura de chamados