Exigência de sede do licitante em raio de KM específico do órgão: exigência legal ou afronta à competitividade?
Imagine participar de uma licitação pública, apresentar a melhor proposta, atender a todos os requisitos de habilitação e, ainda assim, ser impedido de contratar com a Administração por um único motivo: sua empresa não possui sede dentro de um raio de KM específico do Órgão Contratante.
Parece absurdo? No entanto, essa é uma realidade que vem se tornando cada vez mais frequente em Editais de licitação por todo o país, e muitas vezes amparado por justificativas administrativas que à primeira vista, parecem legítimas.
Eficiência administrativa x competitividade
Sabe-se que, a Administração Pública tem o dever de promover contratações eficientes, e que assegurem a proposta mais vantajosa ao interesse público. Contudo, tem-se observado com frequência crescente, a inserção de cláusulas em Editais de licitação exigindo que a empresa licitante possua sede, filial ou estrutura física instalada dentro de determinado raio de distância da localidade do Órgão Contratante.
Tais exigências vêm sendo adotadas por diversos Entes Públicos, sob o pretexto de facilitar a fiscalização, agilizar o atendimento ou garantir a execução eficiente do objeto contratual, entretanto, impõe-se o questionamento:
A exigência tem amparo legal ou é ilegal?
Essa prática encontra respaldo legal ou configura restrição indevida à ampla competitividade e à isonomia entre os licitantes?
A Constituição Federal, em seu art. 37, XXI, estabelece que as licitações devem garantir “igualdade de condições a todos os concorrentes”. Tal dispositivo visa justamente assegurar que qualquer empresa, independentemente de sua localização geográfica, possa disputar contratos públicos em pé de igualdade, desde que cumpra os requisitos técnicos e econômicos essenciais à execução contratual. Vejam o texto constitucional:
“XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes…”
O princípio é decorrência direta do direito fundamental à igualdade elencado no artigo 5º da Carta Magna e estabelece que, em igualdade de condições jurídicas, o Estado deverá dispensar o mesmo tratamento aos seus administrados, sem estabelecer entre eles quaisquer preferências ou privilégios.
O que diz a Nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021)?
A Lei n. º 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações e Contratos), em consonância com a Carta Magna, também consagra os princípios da isonomia e da ampla competitividade, bem como, determina que dentre os objetivos do processo licitatório, estão a busca pela proposta mais vantajosa, tratamento isonômico entre os licitantes e a justa competição, senão vejamos:
Art. 5º […]
Art. 11. O processo licitatório tem por objetivos:
I – assegurar a seleção da proposta apta a gerar o resultado de contratação mais vantajoso […]
II – assegurar tratamento isonômico entre os licitantes, bem como a justa competição;
Logo, verifica-se que a exigência de que o licitante tenha sede localizada dentro de um raio específico de distância do Órgão Contratante fere frontalmente o princípio da ampla competitividade, isonomia e busca da proposta mais vantajosa.
A exigência pode configurar reserva de mercado?
Além disso, a respectiva imposição, favorece empresas locais em detrimento de concorrentes igualmente qualificados, porém, situados em outras regiões, promovendo uma forma velada de reserva de mercado, o que é vedado expressamente pela própria Lei n. º 14.133/2021, em seu art. 9º, inciso I:
Art. 9º […]
I – admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos que praticar, situações que:
b) estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou do domicílio dos licitantes;
O que diz o TCU sobre exigência de sede local?
Nesse aspecto, o Tribunal de Contas da União, entende que esse artificio pode ser utilizado apenas em casos excepcionais, acompanhado de justificativa técnica robusta, devendo ser imprescindível à adequada execução do objeto licitado. Vejam:
“É irregular a exigência de que o contratado instale escritório em localidade específica, sem a devida demonstração de que tal medida seja imprescindível […]” – Acórdão 1176/2021 – TCU – Plenário.
“9.2.2. a exigência de que a empresa licitante utilize instalação própria ou localizada em uma cidade específica, salvo quando devidamente justificada […]” – Acórdão 6463/2011 – TCU – 1ª Câmara
Restrições territoriais infundadas são nulas
Observa-se, que a mera conveniência administrativa, como o desejo de facilitar a logística/fiscalização ou encurtar prazos, não é fundamento suficiente para justificar tal restrição.
Portanto, tem-se que a legalidade da exigência de sede dentro de um raio geográfico do Órgão está condicionada à prova inequívoca de sua extrema necessidade técnica, sob pena de nulidade do certame.
Considerações finais
Permitir que esse tipo de exigência se torne regra, e não exceção, é abrir precedentes perigosos. Afinal, se hoje limita-se a disputa a empresas em um raio de 50 quilômetros por exemplo, o que impedirá que, amanhã, licitem apenas com quem está na mesma rua?
A Administração Pública não pode escolher seus fornecedores com base em localidade, mas sim com base na capacidade técnica, preço justo e compromisso com a execução eficiente do objeto contratual.
Posto isso, quando constatadas exigências em licitações que impõem restrições territoriais infundadas, como a obrigatoriedade de sede dentro de raio específico do Órgão licitante, é dever do cidadão, das empresas prejudicadas e das entidades de classe levar tais práticas ao conhecimento dos Tribunais de Contas, do Ministério Público e demais órgãos de controle externo.